46 – DUAS QUESTÕES

 

 

“Um assunto paralelo à intercessão de Maria também precisa ser abordado. É a repetição das rezas usadas pelos católicos. É bem comum ouvirmos a respeito das penitências impostas aos adeptos da igreja de Roma. Como se não bastasse o termo ‘penitência’, sugerindo que ainda resta algo a fazer pelos nossos pecados, indicando assim uma suposta insuficiência no sacrifício de Cristo, ainda há o agravante de, deliberadamente, descumpri-rem uma ordem expressa de Jesus: ‘e, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falar serão ouvidos’ (Mt 6:7)”                            (pág. 56)

 

Uma coisa de cada vez. O senhor fala aí sobre a penitência, dizendo que isto é uma coisa inútil e fala também das rezas repetidas que os católicos fazem, como por exemplo, o Terço e outras devoções mais. Vamos analisar as duas questões separadamente:

 

Penitências – a penitência não anula e nem indica insuficiên-cia do sacrifício expiatório de Cristo. Sabemos perfeitamente que o sacrifício de Cristo é perfeito sem precisar de complementos. O sacrifício de Cristo foi feito “uma vez por todas” (Hb 7,27). A parte dEle está pronta. Tudo o que Deus tinha para fazer, fez em Jesus Cristo. Agora, porém, precisamos nós fazer a nossa parte buscando a santidade e o nosso lugar ao lado de Cristo. Essa busca se dá muitas vezes através de sacrifícios e de penitências. As penitências não têm a intenção de se tornar um outro sacrifício expiatório como o de Cristo, mas elas “contribuem para nos fazer adquirir o domínio sobre nossos instintos e a liberdade de coração” (Catecismo da Igreja Católica, §2043). A esmola (cf. Mt 6,2-4), a oração (cf. Mt 6,5-15) e o jejum (cf. Mt 6,16-18) são penitências que fazem elevar o nosso espírito. Jesus nunca disse que não era preciso fazer penitências, muito pelo contrário. Ele mesmo disse sobre os apóstolos: “Mas chegarão os dias em que o noivo será tirado do meio deles. Aí então eles vão jejuar” (Mt 9,15). E o que é o jejum senão uma penitência? O Apóstolo Paulo também fazia penitência a fim de alcançar a santidade: “Os atletas se impõe a si muitas privações; e o fazem para ganharem uma coroa perecível; e nós, nos privamos para ganharmos uma coroa imperecível. Quanto a mim, também eu corro, mas não como quem vai sem rumo. Dou golpes, mas não como quem luta contra o ar. Trato duramente o meu corpo e o submeto, para não acontecer que eu proclame a palavra de Deus aos outros, e eu mesmo venha a ser reprovado” (1ª Cor 9,25-27). Como se não bastasse, São Paulo ainda disse: “Agora eu me alegro por sofrer por vocês, pois vou completando em minha carne o que falta nas tribulações de Cristo, a favor do seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). O Apóstolo não fala aí do sacrifício salvífico do Senhor, mas fala de suas tribulações, de modo que todo o cristão é convidado a junto com o Senhor sofrer, se penitenciar pela santificação do Corpo que é a Igreja. Afinal de contas, Paulo, apesar de Apóstolo do Senhor, não se dizia salvo. Além de saber que necessitava fazer penitências tratando duramente o seu corpo, também dizia: “De nada me acusa a consciência; contudo, nem por isso eu sou justificado. Meu juiz é o Senhor” (1ª Cor 4,4).

 

Orações repetidas – Para entendermos o ensinamento de Jesus sobre esse tema, precisamos compreender o contexto onde ocorre essa recomendação do Senhor no capítulo 6 do Evangelho de São Mateus.

Jesus está orientando os seus seguidores a terem um comportamento superior ao dos “hipócritas” (v. 2) e dos “gentios” (v. 7). Jesus se referia a pessoas que fazem da religião uma maneira de adquirir status para assim conseguirem destaque na sociedade. Assim Jesus ensinou: “Prestem atenção! Não pratiquem a justiça de vocês diante dos homens, só para serem elogiados por eles. Fazendo assim, vocês não terão a recompensa do Pai de vocês que está no céu” (v. 1). Assim sendo, Jesus procurou mostrar que o cristão não deve ser como os hipócritas que dão esmola para serem elogiados (v. 2-4); como também devem ser diferentes daqueles que jejuam e desfiguram o rosto para que todos vejam que está jejuando (v. 16-18) e que devem ser diferentes dos gentios que usam muitas palavras para impressionar aos homens e a Deus, achando que assim serão atendidos (v. 7). Diante desta realidade o Senhor orienta: “e, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falar serão ouvidos”.  Nossas orações devem superar a oração daqueles que só oram para aparecer e impressionar. Não deve haver em nossas orações vãs repetições a fim de comover a platéia (ou Deus), pois não é pelo muito falar ou pela força das palavras que Deus vai nos atender, mas sim pelo nosso coração sincero. Por isso a nossa oração deve ser pura e voltada exclusivamente para o nosso encontro com Deus (v. 6). “Não é pela quantidade de palavras que se chega à oração perfeita, mas pelo amor e conhecimento de Mim (Deus) e de si mesmo” (Santa Catarina de Sena, Doutora da Igreja, Na Escola dos Santos Doutores, 901).

 

Tudo isso, é muito diferente de rezar um Terço ou dizer quantas vezes eu quiser uma oração desde que a intenção seja meu verdadeiro relacionamento com Deus. O senhor mesmo concorda com isso quando diz:

 

“…que mal há em repetir uma determinada frase em nossa oração se assim o desejarmos? Ou orarmos o ‘Pai nosso’ como algo que de fato flua de nosso coração?”

                                                                                         (pág. 59)

 

Exatamente pastor, que mal há em repetir palavras bíblicas como o “Pai Nosso” se assim meu coração pede? Contudo logo depois o senhor completa:

 

“Penso que isso é bastante diferente de rezar 50 vezes qualquer reza”                                                                      (pág. 59)

 

Não há nada de diferente. No Terço se reza 50 vezes a oração da Ave-Maria; no Rosário se reza 200 vezes, mas isso não é obrigatório nenhum cristão fazer. Quem reza o Terço é porque o faz de coração, assim essa pessoa deseja. Quantos testemunhos eu conheço de famílias que se uniram através da oração do Terço ou pessoas que cresceram muito na espiritualidade através dessa devoção? Que mal há nisso? Se não há nenhum mal em orar repetidamente o Pai Nosso como algo que de fato flua de nosso coração, também não há problema na oração do Terço, do Rosário ou de qualquer outra devoção que também flua do coração do fiel.

 

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